Lendo e ouvindo a música


Fofas


Desenhos de Jorge Queiroz da Silva

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

O jogo pai e a madrasta sorte



Quem realmente acredita no jogo pela sorte?O brasileiro, com certeza, acredita que num determinado dia, ao fazer aquela “fezinha”, num dos jogos da loteria da Caixa, vai faturar aquele prêmio que vai endireitar sua vida para sempre. Confesso que sou um otimista, criado de forma a pensar, que no dia seguinte, a sorte virá bater à minha porta.Quando menino, eu observava o meu pai. Um trabalhador humilde, que tinha como hábito, sempre utilizar os recursos da gorjeta que obtinha com seu trabalho, para fazer o seu jogo no “bicho”. Ele jogava com muita esperança e com muita precisão, um sistema que sempre lhe dava alguma segurança de retorno. Normalmente ele ganhava. Era difícil ver meu pai ficar triste, porque havia perdido. O jogo do bicho era de toda a confiança, e servia de distração e esperança para o trabalhador, que tinha, naquela época, poucas opções de lazer. Eu sempre assistia meu pai jogar, de uma forma, que o conduzia ao sucesso. Deitado na cama com o rádio ao lado e repetindo: - entrou uma, entrou outra,etc... Assim, vinha o ganho no jogo do bicho, e com ele, conseguiu trocar toda a mobília e utensílios da nossa casa e, às vezes, ainda pagava as despesas do meu colégio. Aquela forma de otimismo tomou conta de toda a família e fez com que diversos parentes e vizinhos, utilizando o mesmo processo de jogar do meu pai, arriscassem nos ganhos, que se tornaram quase diários, naquela Comunidade. O precioso processo de jogar do papai, contagiou minha mãe, e fez com que ela sempre, acompanhasse as extrações diárias do Jogo do Bicho, e assim também faturasse alguns trocados, sem nunca perder a esperança, de num dia poder ganhar “aquela” bolada.Vivenciei também, um lance muito curioso, de um sapateiro, que era vizinho de nossa residência, e que diariamente jogava, e já contagiado, pelo sucesso da vizinhança, ainda arriscava comprar bilhetes da loteria. No entanto, não era muito otimista, e sempre que comprava um bilhete, colava atrás da porta da sapataria, dizendo que já sabia que não ia ser sorteado. Comprava tantos bilhetes que a porta da sapataria virou um verdadeiro painel, com bilhetes colados lado a lado, uns por cima dos outros. Num determinado dia, para o cúmulo da sorte, saiu o primeiro prêmio da loteria para o sapateiro. Ficou tão apavorado por ter colado o bilhete atrás da porta e saber que as regras para o recebimento do dinheiro, tinham como principal fator, o fato do bilhete não conter nenhum rasgo ou rasura, que admitiu que não devia brincar com a sorte. Para a solução daquele problema, teve uma idéia brilhante. Pegou a chave de parafusos, arrancou a porta, e nervoso e muito cansado, foi à pé, até à agência da Caixa, com a porta nas costas, para receber o primeiro prêmio da loteria federal daquela quarta-feira. Com a constatação de tantos bilhetes ali colados, teve a credibilidade necessária para o recebimento do prêmio.Antigamente as pessoas eram quase todas humildes. A distração eram as lojas de jogo de bicho, onde a polícia fazia vista grossa e, como sempre ,recebia dos banqueiros as propinas, para a manutenção das lojas abertas. Quando prendiam o bicheiro, era para mostrar a chefia da Secretaria de Segurança, que estavam agindo contra a contravenção. Pura mentira!Sempre torcia pela minha mãe, para que ganhasse um prêmio expressivo, pois ela era uma fiel jogadora, e até o dia em que papai faleceu, era uma associada aos seus palpites. Felizmente , este prêmio veio surgir na época em que eu, que não era um jogador habitual, estava muito necessitado dele. Eu tinha sido avalista de uma operação de empréstimo bancário para que um colega de confiança, pudesse regularizar a escritura de um imóvel, que dizia a mim ter comprado. Descobri mais tarde, que havia ganho o imóvel, numa mesa de jogo. Esse meu colega, tinha o hábito de frequentar, todo final de semana, com parceiros, que eram grandes comerciantes e jogadores, casas de jogos de poquer. Após continuar jogando, pensando em ganhar mais e mais, acabou por perder o tal imóvel, e simplesmente desapareceu, deixando-me com a divida bancária, que como avalista, teria que honrar, apesar de toda a dificuldade.No dia em que minha mãe ganhou no bicho, eu já não tinha mais como renovar a tal nota promissória.E aí, vem a história da madrasta sorte. A minha mãe que deu aquela tacada e acertou na cabeça, um milhar, ficou sem o dinheiro, pois teve que cedê-lo a mim para a solução do grave problema que me afligia a cada mês, quando tinha que renovar a dívida. Apesar de tudo, ficou a mostra de que a fé e o otimismo, daquela mulher, minha mãe, teve o seu dia de consagração. Por isso afirmo que a sorte é madrasta, e necessita de muita insistência, para trazer a verdadeira sorte para junto de nós.

(Jorge Queiroz - abril/2009)

Fonte da imagem:centroliterariopiracicaba-clip.blogspot.com

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